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COLUNA
Prof Michael Amorim
Michael Amorim é professor de filosofia, conferencista, podcaster pai e marido.
Prof Michael Amorim

A presunção dos idiotas e a morte do debate

E assim segue o intelectual brasileiro, num estágio em que o processo dialético é apagado e substituído por debates partidários, em sua maioria políticos

Prof Michael Amorim

O filósofo Olavo de Carvalho abre o artigo A origem das Opiniões Dominantes, publicado no Diário do Comércio em 24 de outubro de 2015, da seguinte maneira:
“O idiota presunçoso, isto é, o tipo mais representativo de qualquer profissão hoje em dia, incluindo as letras, o ensino e o jornalismo, forma opinião de maneira imediata e espontânea, com base numa quantidade ínfima ou nula de conhecimentos, e se apega a seu julgamento com a tenacidade de quem defende um tesouro maior que a vida.”

Crítica que lembra o que Sócrates denuncia no Górgias, quando aponta o perigo de opiniões não examinadas guiando a vida pública, um traço também observado em Voegelin ao tratar da “ignorância ativa” como um dos males da modernidade. Como dissera Platão na Apologia de Sócrates: “A vida que não é examinada não vale a pena ser vivida.”

No Brasil, a maioria dos debates se resume a tomar partido. Sem esperar o desenrolar dos fatos, sem conhecimento profundo sobre o assunto, sem saber como o tema chegou até aqui ou o que já se disse sobre ele no ado, o que importa é tomar partido. Lado A ou lado B. E só.

E assim segue o intelectual brasileiro, num estágio em que o processo dialético é apagado e substituído por debates partidários, em sua maioria políticos. É evidente que isso rebaixa a filosofia e mata a discussão filosófica, pois já não há confronto de ideias, nem absorção do pensamento contrário. Todos têm medo de se contaminar com as ideias do adversário e, por isso, as ignoram, rejeitam-nas antes mesmo de saber se são verdadeiras. Não as tratam como tratariam as suas próprias. Como advertiu Aristóteles:
“É sinal de mente instruída ser capaz de entreter um pensamento sem aceitá-lo.”

Quem concorda com o que digo é do bem. Aos que não concordam, resta o rótulo de mal absoluto, algo a ser combatido, não compreendido.

Ao se substituir a dialética pela retórica, cria-se o filodoxo, o amante da opinião. Repare bem nos debates atuais: tudo virou questão de opinião. Todos se sentem no direito de ter posição sobre tudo, mesmo sem saber nada. Kierkegaard já advertia, em A Multidão é a Mentira, sobre a tendência moderna de dissolver a responsabilidade individual na aprovação pública de opiniões vagas. Miguel de Unamuno também observou, com seu olhar agudo: “O que o homem busca em seus discursos não é tanto a verdade, mas a segurança emocional.”

Pior ainda, exigem que suas opiniões sejam respeitadas como se fossem diagnósticos precisos. Ignorando o conselho do poeta Horácio: “Quem começa a ensinar deve primeiro aprender a duvidar.”

Sobre esse fetiche de tomar posições, Olavo de Carvalho nos ensina três coisas muito importantes:

Rastrear suas opiniões, para saber de onde vieram as ideias que você toma como suas.

Não tentar ter uma opinião própria, mas uma opinião verdadeira. Pouco importa se é sua ou não.

Fazer o voto de carência de opiniões, evitando opinar sobre aquilo que desconhece.

Esses três pontos ajudam, e muito, a elevar o nível do debate e a desinflar a presunção dos idiotas. Sobretudo o ponto três; Pascal já dizia que “a maior parte dos males dos homens vem de não saberem ficar quietos num quarto.” E como lembrou o poeta Píndaro: “Torna-te quem tu és, aprendendo quem és.”

Falei em presunção de idiotas e lembrei que, numa dessas costumeiras bobagens ditas na televisão, o economista Joel Pinheiro afirmou, durante o programa Morning Show, da Jovem Pan, que o legado filosófico do professor Olavo de Carvalho seria aterrorizar seus leitores com “teorias da conspiração”. O comentário surgiu ao tratar do embate entre o cadáver intelectual Caetano Veloso e o próprio professor Olavo. Antes de tudo, é preciso observar que a atitude de Joel Pinheiro não é nova; trata-se de uma estratégia conhecida e batida: deformar o argumento do oponente, desfigurá-lo até se tornar irreconhecível, e então colar-lhe o rótulo pejorativo de “conspiração”, desqualificando o conteúdo com o estigma do delírio.

Olavo de Carvalho jamais explicou a hegemonia esquerdista — tão visível na mídia e nas universidades — como se fosse fruto de uma conspiração oculta, saída de algum enredo macabro de ficção científica. Pelo contrário. A força, abrangência e grau de organização dessa presença ideológica são dados evidentes, palpáveis, disponíveis aos olhos de qualquer observador honesto. Mas nada disso importa ao palpiteiro Joel Pinheiro, cego de ódio por tudo o que não venha diretamente de sua mente iluminada. Santo Tomás de Aquino ensinava que a verdade é a adequação entre o intelecto e a realidade. Para Joel Pinheiro, no entanto, ela se resume a uma aliança tola entre a burrice e a afetação emocional.

Sem conseguir responder diretamente ao professor Olavo, a única arma retórica de que dispõe o presunçoso Joel Pinheiro é a tentativa desesperada de colar no autor de O Jardim das Aflições a pecha de paranoico. Mas o que esperar de alguém que acredita que discutir política é mais importante do que discutir moral, sem compreender que as mudanças nos princípios morais são a substância mesma da vida social — e que a política, em última instância, decorre dessas transformações quase automaticamente? Em sua neurose, Joel Pinheiro nos oferece, ainda que sem querer, uma confissão de sua própria obtusidade: é incapaz de acompanhar discussões filosóficas universais, porque não enxerga além do imediato. Como nos advertiu Platão, em sua alegoria da caverna,
a opinião é a sombra da verdade.

As contribuições de Olavo de Carvalho para o pensamento filosófico são notoriamente diversas, como bem demonstrou meu conterrâneo Ronald Robinson em seu texto Elementos da Filosofia de Olavo de Carvalho. Entre outros pontos, Ronald destaca que “a obra de Olavo de Carvalho possui uma intuição fundamental: a de que só a consciência individual é capaz de conhecimento”. Essa intuição se desdobra na chamada “Teoria das Doze Camadas da Personalidade”, segundo a qual o conhecimento da camada à qual pertencemos só se revela mediante o consentimento de nossos atos — o que nos conduz ao princípio de autoria.

Podemos ainda destacar, entre suas contribuições, o método da confissão, os atos sem testemunha, o conhecimento por presença, o intuicionismo radical, sua crítica cultural, a noção de paralaxe cognitiva, os estudos sobre teoria política e mentalidade revolucionária, e sua Teoria dos Quatro Discursos — talvez a única grande obra filosófica publicada no Brasil em décadas —, sistematizada em Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos.

É evidente que Joel Pinheiro, nesse campo, é um completo ignorante. Não possui nem a formação nem a vocação para a crítica cultural, terreno em que Olavo de Carvalho produziu algumas de suas melhores páginas. Seu problema seria apenas inveja? Ou é, no fundo, pura e simples ignorância? Do alto de seu pedestal midiático, ele tenta ensinar. Mas, como já advertiam os juristas romanos, nemo dat quod non habet — ninguém dá o que não tem.

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